O que é que o diamante tem? É a substância mais dura que existe na natureza, o que faz com que tenha inúmeras aplicações industriais. O imaginário colectivo representa-o como uma reluzente jóia lapidada de preço astronómico. É também um cristal de carbono, um dos elementos mais abundantes do Universo e constituinte essencial de todos os seres vivos conhecidos. Mas o senso comum diz-nos que a abundância de um bem é inversamente proporcional ao seu preço, logo os diamantes deveriam ser muito raros, apesar de serem primos da vulgaríssima grafite, outra forma cristalina do carbono a partir da qual são feitas as minas dos lápis e muitas outras coisas. De facto, o preço dos diamantes não se justifica pela sua raridade, mas antes pela insólita forma como são comercializados – uma combinação de monopólio com uma estratégia de marketing sem paralelo na história da humanidade.
Tudo começou na antiga colónia britânica da África do Sul com um senhor chamado Cecil Rhodes, um nome familiar para os portugueses. Rhodes foi um empresário mineiro e político, que esteve directamente envolvido na questão do Mapa Cor de Rosa, em 1890, que entre outras coisas deu origem ao actual hino nacional português e deu um enorme impulso aos republicanos que os levaria à revolução de 1910. A Rodésia, actual Zimbabwe, devia-lhe o seu nome.
Quando Cecil, filho de boas famílias inglesas, chega em 1870 à África do Sul para ajudar o irmão, agricultor na província do Natal, não o encontra – Herbert tinha desistido do algodão para se dedicar à prospecção mineira, acometido da febre do diamante que irrompera nesse mesmo ano. Cecil Rhodes acaba por se tornar dono da mina de Kimberley, a maior da África do Sul, compra todas as minas concorrentes, e paralelamente inicia uma carreira política fulgurante. Em 1891 é um político influentíssimo, ideólogo do imperialismo britânico, favorito da rainha Vitória e primeiro-ministro da colónia do Cabo. Através da sua empresa, a De Beers Consolidated Mines, controla 90 por cento da produção mundial de diamantes, o que lhe permite iniciar a estratégia até hoje seguida pela companhia: evitar que os diamantes percam o seu estatuto de pedra preciosa, mantendo as vendas num nível reduzido para evitar a descida dos preços.
Em 1921 inicia-se a dinastia Oppenheimer. Ernest assume o controlo da De Beers, e o monopólio vai-se consolidando. Mas o golpe de génio surge da crise, como tantas vezes acontece. Nos anos 1930 o preço dos diamantes desce, em consequência da Grande Depressão de 1929 e das convulsões que antecederam a II Guerra Mundial, abalando seriamente a confiança dos europeus. Em 1938, Harry Oppenheimer, filho de Ernest e seu sucessor, vai a Nova Iorque consultar uma das maiores agências de publicidade americanas, a NW Ayer, na tentativa de conseguir a recuperação dos preços nos Estados Unidos. O que se segue é uma campanha de publicidade invulgar, uma das maiores e mais bem sucedidas de todos os tempos, destinada a reforçar a tradição do anel de noivado e insistindo na conotação romântica do diamante – é caro, mas o amor não conhece limites. O nome do anunciante nunca é referido, uma vez que a posição monopolista da De Beers lhe permite dar-se a esse luxo. Em pleno apogeu do glamour de Hollywood, a NW Ayer aposta no novo meio de comunicação, oferecendo diamantes às estrelas de cinema, e fornece artigos sobre diamantes a jornais e revistas. Os resultados são fulminantes, e em 1941 as vendas tinham subido 50 por cento.
No início dos anos 60 o monopólio é ameaçado pela descoberta de diamantes na Sibéria, mas a De Beers não se atrapalha nem com a Guerra Fria e faz um acordo secreto com a União Soviética. Há apenas um pequeno problema: os diamantes siberianos são muito pequenos. Nova campanha de publicidade nos Estados Unidos, e inventa-se uma nova tradição, a do anel incrustado de pequenos diamantes oferecido à esposa no décimo aniversário do casamento.
Segue-se a conquista do mercado japonês, a partir de 1967. A De Beers consegue criar a tradição do anel de noivado, praticamente inexistente no Japão, e, em 1981, sessenta por cento das noivas nipónicas usam um anel de diamante.
Desde há mais de sessenta anos, a De Beers tem dedicado uma grande parte do seu orçamento a esta campanha subliminar, na imprensa, no cinema, na televisão (um exemplo recente foi a compra de um episódio da série Marés Vivas que gira à volta dum anel de noivado com um diamante), destinada a inculcar duas ideias: a de que um diamante é um bom investimento, pois o seu preço nunca desce; e por outro lado, a de que “é para sempre”, ou seja, nunca deve ser vendido – o que tem um efeito óbvio na manutenção da oferta, e além disso evita surpresas desagradáveis: estudos feitos em vários países por organizações de consumidores demonstram que é quase impossível um particular vender um diamante por um preço superior ao que deu por ele. Os comerciantes simplesmente recusam-se a comprá-los.
Hoje em dia, Nicky Oppenheimer, neto de Ernest, controla a esmagadora maioria do comércio mundial de diamantes em bruto e detém 50 por cento da produção. A lógica é implacável: os diamantes têm uma mística especial; essa mística só se pode manter se os preços forem elevados; e os preços só se podem manter elevados se a De Beers os controlar. Há uns anos, Austrália tentou lançar-se sozinha no comércio de diamantes. Acabou por desistir, apavorada com uma quebra de preços, e foi cair nos braços da De Beers. O processo monopolista é maravilhosamente simples: quando surgem concorrentes, compram-se-lhes os diamantes, venham eles de onde vierem; se os preços descem, reduz-se as vendas e aumenta-se os stocks; se sobem, aumenta-se as vendas e reduz-se os stocks. As vendas são feitas segundo um ritual arcaico, que dez vezes por ano reúne em Londres um punhado de compradores convidados, a quem são distribuídos lotes de diamantes em bruto por um preço fixado de antemão.
Só recentemente a companhia começou a enfrentar uma nova ameaça, e de novo há um nome envolvido que nos é familiar: a Unita. Não se sobrevive a mais de um século de monopólio sem uma grande dose de bom senso político – já demonstrado, por exemplo, nas excelentes relações que Harry Oppenheimer mantinha com Nelson Mandela. Confrontada com os efeitos na opinião pública americana das campanhas de ONGs, e da própria ONU, denunciando o comércio de diamantes como uma das causas da tragédia de África, a De Beers prepara-se para abandonar a estratégia secular: a companhia comprometeu-se a só comprar diamantes a governos “legítimos” (como o de Angola), e De Beers passará em breve a ser uma marca de diamantes, um produto de luxo garantidamente “blood-free”.
[From O meteorologista]
Tudo começou na antiga colónia britânica da África do Sul com um senhor chamado Cecil Rhodes, um nome familiar para os portugueses. Rhodes foi um empresário mineiro e político, que esteve directamente envolvido na questão do Mapa Cor de Rosa, em 1890, que entre outras coisas deu origem ao actual hino nacional português e deu um enorme impulso aos republicanos que os levaria à revolução de 1910. A Rodésia, actual Zimbabwe, devia-lhe o seu nome.
Quando Cecil, filho de boas famílias inglesas, chega em 1870 à África do Sul para ajudar o irmão, agricultor na província do Natal, não o encontra – Herbert tinha desistido do algodão para se dedicar à prospecção mineira, acometido da febre do diamante que irrompera nesse mesmo ano. Cecil Rhodes acaba por se tornar dono da mina de Kimberley, a maior da África do Sul, compra todas as minas concorrentes, e paralelamente inicia uma carreira política fulgurante. Em 1891 é um político influentíssimo, ideólogo do imperialismo britânico, favorito da rainha Vitória e primeiro-ministro da colónia do Cabo. Através da sua empresa, a De Beers Consolidated Mines, controla 90 por cento da produção mundial de diamantes, o que lhe permite iniciar a estratégia até hoje seguida pela companhia: evitar que os diamantes percam o seu estatuto de pedra preciosa, mantendo as vendas num nível reduzido para evitar a descida dos preços.
Em 1921 inicia-se a dinastia Oppenheimer. Ernest assume o controlo da De Beers, e o monopólio vai-se consolidando. Mas o golpe de génio surge da crise, como tantas vezes acontece. Nos anos 1930 o preço dos diamantes desce, em consequência da Grande Depressão de 1929 e das convulsões que antecederam a II Guerra Mundial, abalando seriamente a confiança dos europeus. Em 1938, Harry Oppenheimer, filho de Ernest e seu sucessor, vai a Nova Iorque consultar uma das maiores agências de publicidade americanas, a NW Ayer, na tentativa de conseguir a recuperação dos preços nos Estados Unidos. O que se segue é uma campanha de publicidade invulgar, uma das maiores e mais bem sucedidas de todos os tempos, destinada a reforçar a tradição do anel de noivado e insistindo na conotação romântica do diamante – é caro, mas o amor não conhece limites. O nome do anunciante nunca é referido, uma vez que a posição monopolista da De Beers lhe permite dar-se a esse luxo. Em pleno apogeu do glamour de Hollywood, a NW Ayer aposta no novo meio de comunicação, oferecendo diamantes às estrelas de cinema, e fornece artigos sobre diamantes a jornais e revistas. Os resultados são fulminantes, e em 1941 as vendas tinham subido 50 por cento.
No início dos anos 60 o monopólio é ameaçado pela descoberta de diamantes na Sibéria, mas a De Beers não se atrapalha nem com a Guerra Fria e faz um acordo secreto com a União Soviética. Há apenas um pequeno problema: os diamantes siberianos são muito pequenos. Nova campanha de publicidade nos Estados Unidos, e inventa-se uma nova tradição, a do anel incrustado de pequenos diamantes oferecido à esposa no décimo aniversário do casamento.
Segue-se a conquista do mercado japonês, a partir de 1967. A De Beers consegue criar a tradição do anel de noivado, praticamente inexistente no Japão, e, em 1981, sessenta por cento das noivas nipónicas usam um anel de diamante.
Desde há mais de sessenta anos, a De Beers tem dedicado uma grande parte do seu orçamento a esta campanha subliminar, na imprensa, no cinema, na televisão (um exemplo recente foi a compra de um episódio da série Marés Vivas que gira à volta dum anel de noivado com um diamante), destinada a inculcar duas ideias: a de que um diamante é um bom investimento, pois o seu preço nunca desce; e por outro lado, a de que “é para sempre”, ou seja, nunca deve ser vendido – o que tem um efeito óbvio na manutenção da oferta, e além disso evita surpresas desagradáveis: estudos feitos em vários países por organizações de consumidores demonstram que é quase impossível um particular vender um diamante por um preço superior ao que deu por ele. Os comerciantes simplesmente recusam-se a comprá-los.
Hoje em dia, Nicky Oppenheimer, neto de Ernest, controla a esmagadora maioria do comércio mundial de diamantes em bruto e detém 50 por cento da produção. A lógica é implacável: os diamantes têm uma mística especial; essa mística só se pode manter se os preços forem elevados; e os preços só se podem manter elevados se a De Beers os controlar. Há uns anos, Austrália tentou lançar-se sozinha no comércio de diamantes. Acabou por desistir, apavorada com uma quebra de preços, e foi cair nos braços da De Beers. O processo monopolista é maravilhosamente simples: quando surgem concorrentes, compram-se-lhes os diamantes, venham eles de onde vierem; se os preços descem, reduz-se as vendas e aumenta-se os stocks; se sobem, aumenta-se as vendas e reduz-se os stocks. As vendas são feitas segundo um ritual arcaico, que dez vezes por ano reúne em Londres um punhado de compradores convidados, a quem são distribuídos lotes de diamantes em bruto por um preço fixado de antemão.
Só recentemente a companhia começou a enfrentar uma nova ameaça, e de novo há um nome envolvido que nos é familiar: a Unita. Não se sobrevive a mais de um século de monopólio sem uma grande dose de bom senso político – já demonstrado, por exemplo, nas excelentes relações que Harry Oppenheimer mantinha com Nelson Mandela. Confrontada com os efeitos na opinião pública americana das campanhas de ONGs, e da própria ONU, denunciando o comércio de diamantes como uma das causas da tragédia de África, a De Beers prepara-se para abandonar a estratégia secular: a companhia comprometeu-se a só comprar diamantes a governos “legítimos” (como o de Angola), e De Beers passará em breve a ser uma marca de diamantes, um produto de luxo garantidamente “blood-free”.
[From O meteorologista]
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