O júri do Festival de Cannes defende o "Mérito Cinematográfico" de Fahrenheit 9/11
Quando entregou a Palma de Ouro de Cannes a Michael Moore, sábado à noite no Palais des Festivals, o presidente do júri, Quentin Tarantino, disse-lhe ao ouvido que o prémio a "Fahrenheit 9/11" "não era motivado por razões políticas". Ontem, numa inédita conferência de imprensa do júri (é a primeira vez que os jurados falam à imprensa depois das suas escolhas), confirmou a mensagem e reafirmou: "Nada do que se passa fora das bobines e dos rolos de filme influenciou a decisão. Quem fez os filmes, por que razão os fez... etc. Só nos interessou o mérito cinematográfico".
E qual é o mérito cinematográfico de "Fahrenheit 9/11", documentário sob a forma de panfleto para (Moore assumiu-o) impedir George Bush de continuar na Casa Branca, recorrendo a imagens televisivas, não todas inéditas? "Por exemplo, o humor satírico", respondeu Tarantino. "E a forma como balança de tom. Um filme pode ser 'fun'? 'Fahrenheit 9/11' é 'fun'. Um filme pode ser dramático? 'Fahrenheit 9/11' é dramático. Por isso é a nossa Palma de Ouro".
Inicialmente, pareciam - Quentin e Emmanuelle Béart, Tilda Swinton, Tsui Hark, Edwidge Danticat, Kathleen Turner, Jerry Schatzberg, Peter von Bagh, Benoît Poelvoorde, o júri da 57ª edição do festival - determinados em negar aquilo que, na manhã de domingo, no rescaldo do festival que terminara na véspera na Croisette, a maior parte da imprensa internacional escancarava como óbvio nos títulos: "Palmarés político". Mas a actriz escocesa Tilda Swinton, que se revelou como a conceptual do grupo, veio ajudar os seus colegas e a política pôde aparecer de novo, de forma mais... elaborada.
"O filme de Michael Moore vem caucionar o cinema. Porque o que ele mostrou neste filme não pode, por exemplo, ser dito neste momento nas televisões dos EUA. Como é que ele o mostrou? Através do cinema. Isto é uma coisa nova em Cannes. Geralmente as Palmas de Ouro vêm premiar obras-primas, ou filmes que 20 anos depois são reconhecidos como obras-primas. Neste caso há um corte, porque do que se trata é do aqui e agora, algo que está a acontecer neste momento e que põe em relação um triângulo formado pelo realizador, pela audiência e pelo meio que se utiliza".
Mais sossegado, Tarantino pôde então dizer que "há grandes filmes de um lado e temas políticos de outro, e quando as duas categorias se juntam, 'et voilà'", a Palma de Ouro.
Democracia, disseram todos, foi o sistema que vigorou no júri. O presidente punha as conversas a rolar. Falaram horas e horas, todos defenderam apaixonadamente os seus preferidos. O presidente também soube ouvir. "Quentin tem uma grande boca, mas também tem duas enormes orelhas", disse Swinton. Quentin confirmou que ouviu coisas tão interessantes dos seus colegas - pareceram-lhe mesmo críticos de cinema mais interessantes do que aqueles que lê na imprensa -, que tomou notas de tudo. Se calhar, avisou, essas frases hão-de ir parar aos diálogos dos seus próximos filmes.
Uma curiosidade que ficará para a (pequena) história do festival: quase se concretizou a ideia, de Tilda Swinton, de dar um prémio de melhor actor de comédia a... George Bush.
Público Cinecartaz
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