«O meu avô salvou 30 mil e agiu por conta própria, contra a lei do Estado Novo, sem ajuda de ninguém e fê-lo em 1940, no início da Guerra», disse à Agência Lusa Álvaro de Sousa Mendes, neto do diplomata e presidente da Fundação Aristides de Sousa Mendes.
Para a investigadora Yehuda Bauer, especialista na história dos refugiados judeus durante a II Guerra Mundial, Aristides de Sousa Mendes protagonizou mesmo a «maior acção de salvamento levada a cabo por uma só pessoa durante o Holocausto».
A acção de Aristides de Sousa Mendes, sublinha também o neto, foi de «total e absoluto desinteresse», tendo havido famílias que lhe ofereceram «fortunas por um visto e de quem o diplomata nunca aceitou um tostão».
Aristides de Sousa Mendes era, em 1940, cônsul de Portugal em Bordéus, no sudoeste de França, onde chegavam diariamente centenas de milhar de refugiados de toda a Europa, onde eram perseguidos pelos exércitos Nazis.
Originário de uma família rica e burguesa de Viseu, profundamente católico e conservador, o diplomata não terá sido indiferente às enchentes de refugiados na cidade, que se iam instalando onde podiam, com as condições previsíveis naquelas circunstâncias.
A estação ferroviária da cidade era já um autêntico dormitório, bem como a residência do próprio cônsul, que albergara diversas famílias, por compaixão pela sua situação.
O diplomata recebia aliás diariamente centenas de pedidos de vistos daqueles que, para sair de França, precisavam de atravessar Espanha e chegar a Portugal, de onde partiriam depois para os seus destinos finais, geralmente no continente americano.
No entanto, a Espanha franquista tinha pouco interesse em albergar os opositores a Hitler, pelo que só deixava entrar aqueles que provassem, por meio de um visto de entrada em Portugal, que tencionavam apenas atravessar o território espanhol.
Em Portugal, por outro lado, a posição oficial de «neutralidade» não impedia que Salazar, então ministro dos Negócios Estrangeiros, proibisse a concessão de vistos a judeus, exilados políticos e cidadãos provenientes do Leste Europeu.
Perante o dilema entre a sua consciência cristã, que apelava à solidariedade e compaixão, e a educação conservadora, que o habituara a obedecer às ordens do regime, Sousa Mendes fechou-se no quarto durante três dias, a reflectir.
Dos seus pensamentos não terá estado ausente a preocupação com as eventuais consequências de uma desobediência para a sua carreira e para o sustento da mulher e dos 12 filhos que tinham então.
Assim como não terão sido esquecidas as cartas que lhe enviara o seu irmão gémeo, diplomata em Varsóvia, que lhe relatava a situação de ocupação na Polónia, diz o jornalista francês José-Alain Fralon, que acredita que, em 1940, Aristides de Sousa Mendes tinha já uma ideia muito clara do rumo que seguia o nazismo.
No dia 17 de Junho daquele ano, a decisão estava tomada e foi de «forte ruptura consigo mesmo e com a autoridade», disse à Lusa José-Alain Fralon, autor de um livro sobre o cônsul.
Entre 17 e 19 de Junho, trabalhando dia e noite, emitiu vistos de entrada em Portugal a todos quantos o solicitassem, estimando-se hoje que tenham sido cerca de 30 mil os que o obtiveram, 10 mil dos quais de origem judia.
A 24 de Junho, Salazar chama urgentemente o cônsul a Lisboa, onde o acusa de concessão abusiva de vistos a estrangeiros e lhe instaura um processo disciplinar que acaba por resultar, na prática, na «expulsão da carreira diplomática», diz Álvaro de Sousa Mendes.
Nesta situação, Aristides de Sousa Mendes, um homem «cioso da sua família», que acompanhava de perto o crescimento dos seus filhos e dinamizava a actividade familiar, vê-se obrigado a pedir aos filhos que abandonem o país, a maioria dos quais acabou por se radicar nos Estados Unidos e Canadá.
A incapacidade financeira para os sustentar e a consciência de que, com o seu nome, não teriam grande futuro em Portugal terão contribuído para a decisão de se separar dos seus filhos, diz o seu neto.
A 03 de Abril de 1954 morreu em Lisboa, no Hospital da Ordem Terceira, na miséria e praticamente sozinho, um «homem intrinsecamente bom», diz José-Alain Fralon, com uma «força de vida extraordinária».
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