Digo-te pot ti... dir-te-ei por ti
Por ti
Pela palavra por ti
Pela frescura do teu suor de rapariga
Pelo teu rosto sob os meus olhos nos teus olhos
Não só nos livros se fala como num livro
E que só num livro tu poderias ler
Mas também no que nós não podemos dizer
«um pouco de tempo em estado puro»
o que não podes imaginar o que...
no horizonte dos teus olhos no horizonte dos teus lábios
não esperes nada do que te vou dizer
nem sequer o mais improvável
o instante do poema é o instante de um estado nascente
os meus dedos tocam os teus seios miúdos sem os inventar
e reconhecem o tremor do seu límpido volume
no teu corpo na palavra do teu corpo
num jardim suspenso
...o que escrevo é uma teia nua uma rosa de uma aranha
que tece e destece a sua renda elíptica
na lonjura de uma proximidade iminente
ardente errante ardente
...o poeta não te diz o porquê nem o como do que te diz
a palavra fala por mim e por ti
em todas as sílabas é à língua que ela se destina
do teu corpo à sua fisiologia trémula e vibrante
é da palavra de um rio que ela tem sede
do claro pão vivo do teu corpo
é da tua garganta negra
que a palavra desperta
e inexplicavelmente será a tua
da tua fonte mais ardente e fechada
como se fosse só tua
na língua de uma língua
numa única palavra branca
António Ramos Rosa
inédito, 13 de Outubro de 2004
publicado no DN de 17 de Outubro de 2004
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