13 janeiro 2005

Digo-te pot ti... dir-te-ei por ti

Por ti

Pela palavra por ti

Pela frescura do teu suor de rapariga

Pelo teu rosto sob os meus olhos nos teus olhos

Não só nos livros se fala como num livro

E que só num livro tu poderias ler

Mas também no que nós não podemos dizer

«um pouco de tempo em estado puro»

o que não podes imaginar o que...

no horizonte dos teus olhos no horizonte dos teus lábios

não esperes nada do que te vou dizer

nem sequer o mais improvável

o instante do poema é o instante de um estado nascente

os meus dedos tocam os teus seios miúdos sem os inventar

e reconhecem o tremor do seu límpido volume

no teu corpo na palavra do teu corpo

num jardim suspenso

...o que escrevo é uma teia nua uma rosa de uma aranha

que tece e destece a sua renda elíptica

na lonjura de uma proximidade iminente

ardente errante ardente

...o poeta não te diz o porquê nem o como do que te diz

a palavra fala por mim e por ti

em todas as sílabas é à língua que ela se destina

do teu corpo à sua fisiologia trémula e vibrante

é da palavra de um rio que ela tem sede

do claro pão vivo do teu corpo

é da tua garganta negra

que a palavra desperta

e inexplicavelmente será a tua

da tua fonte mais ardente e fechada

como se fosse só tua

na língua de uma língua

numa única palavra branca

António Ramos Rosa

inédito, 13 de Outubro de 2004

publicado no DN de 17 de Outubro de 2004

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