Poema
Deixo que venha
se aproxime ao de leve
pé ante pé até ao meu ouvido
Enquanto no peito o coração
estremece
e se apressa no sangue enfebrecido
Primeiro a floresta e em seguida
o bosque
mais bruma do que neve no tecido
Do poema que cresce e o papel absorve
verso a verso primeiro
em cada desabrigo
Toca então a torpeza e agacha-se
sagaz
um lobo faminto e recolhido
Ele trepa de manso e logo tão voraz
que da luz é a noz
e depois o ruído
Toma ágil o caminho
e em seguida o atalho
corre em alcateia ou fugindo sozinho
Na calada da noite desloca-se e traz
consigo o luar
com vestido de arminho
Sinto-o quando chega no arrepio
da pele, na vertigem selada
do pulso recolhido
À medida que escrevo
e o entorno no sonho
o dispo sem pressa e o deito comigo
Maria Teresa Horta
Quando é que passará esta noite interna, o universo,
E eu, a minha alma, terei o meu dia?
Quando é que despertarei de estar acordado?
Não sei. O sol brilha alto,
Impossível de fitar.
As estrelas pestanejam frio,
Impossíveis de contar.
O coração pulsa alheio,
Impossível de escutar.
Quando é que passará este drama sem teatro,
Ou este teatro sem drama,
E recolherei a casa?
Onde? Como? Quando?
Gato que me fitas com olhos de vida, que tens lá no fundo?
É esse! É esse!
Esse mandará como Josué parar o sol e eu acordarei;
E então será dia.
Sorri, dormindo, minha alma!
Sorri, minha alma, será dia!
Álvaro de Campos
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